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Falar das virtudes do educador a partir da leitura de Paulo Freire é um exercício que exige mais do que um olhar acadêmico ou técnico sobre a pedagogia. Exige uma imersão na essência do ato de ensinar como um gesto de humanidade. Freire, em sua vasta obra, não construiu um manual de instruções para professores, mas um convite a um modo de ser no mundo, no qual ensinar e aprender são faces inseparáveis de um mesmo fenômeno. Se há uma virtude fundante no educador, para Freire, é a abertura ao diálogo – e, com ela, a recusa de qualquer forma de autoritarismo.

Para ensinar, é preciso escutar. Parece óbvio, mas quantas vezes a escola se transforma em um espaço de monólogos travestidos de aula? Freire resgatou a dimensão política da escuta: ouvir o outro não é uma concessão, mas um compromisso ético com a construção coletiva do conhecimento. A palavra que liberta não é a imposta, mas a compartilhada. E essa escuta ativa implica reconhecer o saber do aluno como legítimo, como ponto de partida para novas descobertas. Isso não significa romantizar a ignorância, mas entender que ninguém aprende a partir do nada – todos trazemos referências, experiências e leituras de mundo que precisam ser respeitadas para que o ensino faça sentido.

No entanto, a escuta só se sustenta se vier acompanhada de uma outra virtude essencial: a coerência. Não há maior desserviço à educação do que o professor que prega uma coisa e faz outra. Freire não se cansava de denunciar a hipocrisia de discursos que defendem a transformação social, mas reproduzem práticas que silenciam e disciplinam corpos e mentes. O educador precisa ser, antes de tudo, um exemplo vivo de sua pedagogia. Se defende a autonomia, não pode infantilizar seus alunos. Se preza a criticidade, não pode temer o questionamento. A prática é o grande testemunho daquilo que se acredita.

E aqui entra um terceiro traço fundamental: a esperança. Não uma esperança ingênua ou resignada, mas uma esperança ativa, inquieta, comprometida com a mudança. Para Freire, educar é um ato de fé no ser humano e na sua capacidade de reinventar-se. E isso é revolucionário em um mundo que tantas vezes trata a educação como mera adaptação ao status quo. Um professor sem esperança é um burocrata da informação. Já o educador esperançoso enxerga potência onde outros veem limites, desafia fatalismos e acredita que cada aluno é um sujeito em construção, não um recipiente a ser preenchido.

Mas a esperança não dispensa o rigor. Freire nos lembra que um professor esperançoso não pode ser um professor irresponsável. Ensinar exige preparo, estudo contínuo, aprofundamento teórico e metodológico. A afetividade é um elo essencial na relação pedagógica, mas ela não pode ser um substituto do conhecimento sólido. Há quem interprete equivocadamente o pensamento freireano como um apelo ao espontaneísmo, como se o aprendizado pudesse acontecer sem estrutura ou sem mediação. Pelo contrário: ensinar é um ofício exigente, e o compromisso com a transformação social passa, necessariamente, por um compromisso inegociável com a qualidade do ensino.

Por fim, há uma virtude que talvez seja o elo entre todas as outras: a humildade. O verdadeiro educador sabe que nunca está pronto. Aprende enquanto ensina, revisa suas certezas, permite-se mudar. Como dizia Freire, ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho. Educamo-nos em comunhão, num processo vivo e contínuo. Reconhecer isso não diminui a autoridade do professor – pelo contrário, a fortalece, pois a verdadeira autoridade não se impõe, mas se constrói no respeito mútuo.

Ser educador, à luz de Paulo Freire, é muito mais do que transmitir conteúdos. É assumir uma postura diante do mundo. É compreender que ensinar é um ato político, não no sentido partidário, mas no sentido mais profundo da palavra: a política como construção coletiva de futuros possíveis. A educação, quando tomada com a seriedade e a paixão que Freire lhe conferia, torna-se uma prática de liberdade – e um educador virtuoso é, acima de tudo, um artesão dessa liberdade.

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