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Existe uma imagem quase épica associada ao ano do vestibular: o estudante debruçado sobre livros madrugada adentro, marcando apostilas com olhos cansados e sonhando com a aprovação como quem atravessa um deserto à espera do oásis. A narrativa é sedutora porque carrega algo de heroico — e, como todo heroísmo romantizado, ignora o preço que se paga quando o esforço não é dosado com inteligência. O problema não é estudar muito. O problema é estudar mal, com pressa, sem pausa, como quem corre uma maratona em ritmo de sprint.

Não é raro ver alunos brilhantes naufragarem emocionalmente a poucos meses da prova. São os que começaram o ano com tudo — mil metas, cronogramas inflexíveis, planos que pareciam fórmulas mágicas de aprovação — e que, lá por setembro, já não suportam mais ouvir falar em Enem, redação, revisão. O que era determinação vira exaustão; o que era entusiasmo vira aversão. E isso não acontece por fraqueza, mas por um erro estratégico de base: acreditar que o sucesso virá apenas de quem se sacrifica até o osso.

É preciso olhar para o ano letivo como quem planeja uma travessia longa. Ninguém chega ao fim de um percurso extenso se queimar toda a energia nos primeiros quilômetros. O bom estudante não é o que se esgota, mas o que se sustenta. E sustentar-se significa encontrar um ritmo possível, que comporte esforço, mas também descanso; que inclua foco, mas também respiros; que valorize a disciplina, mas não ignore o prazer de aprender. A educação, afinal, não é uma corrida de sacrifício, mas um processo de amadurecimento.

Equilibrar esse ritmo exige escuta interna — e essa talvez seja a habilidade mais negligenciada nos discursos motivacionais que enchem as redes sociais. O que você precisa não é estudar mais do que os outros, mas estudar de forma que o seu corpo, a sua mente e a sua vida consigam acompanhar. Um estudo que adoece, que isola, que consome os pequenos prazeres do cotidiano como se fossem distrações indesejadas, não é preparação — é martírio. E martírio, por mais que impressione, não garante resultado.

É nesse ponto que vale lembrar o conselho de Montaigne, pensador do século XVI, que já alertava sobre os excessos da mente quando não acompanhados de cuidado com o corpo: “É melhor uma cabeça bem-feita do que uma cabeça apenas cheia”. Uma mente bem-feita não é aquela que sabe tudo, mas a que aprendeu a organizar o próprio tempo, a respeitar seus limites, a lidar com a frustração sem se entregar à desistência.

Se você quer chegar bem no dia da prova, precisa chegar inteiro — não apenas cheio de conteúdo, mas com lucidez para interpretá-lo, com serenidade para aplicá-lo, com presença de espírito para decidir entre A, B, C ou D. E nada disso se adquire no desespero. Um aluno emocionalmente esgotado pode saber todas as fórmulas, ter lido todos os livros, ter feito mil simulados… e ainda assim errar o que sabia, justamente porque o corpo já não aguenta, o sono não vem, a memória falha, a ansiedade trava.

Por isso, mais do que se perguntar “quanto estudar”, vale a pena se perguntar “como sustentar meu estudo ao longo de um ano inteiro?”. Se a resposta não incluir pausas, sono de qualidade, alimentação decente, momentos de silêncio, alguma dose de lazer e muito autoconhecimento, ela provavelmente não se sustenta. Estudar é essencial — mas se manter saudável é estratégico. Porque o vestibular é uma etapa da vida, não a vida inteira. E, no fim das contas, não basta passar: é preciso chegar lá com energia para viver o que vem depois.

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