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Há algo de encantador — e perigosamente ingênuo — na ideia de que basta estudar muito para entrar na faculdade dos sonhos. Ela embala milhares de jovens todos os anos, alimentando jornadas exaustivas de preparação, madrugadas em claro e um idealismo quase romântico sobre o mérito. Mas basta um olhar um pouco mais atento para perceber que essa equação está incompleta. Porque, no fundo, a forma como se escolhe onde e como tentar uma vaga na universidade pode ser tão determinante quanto o esforço de se preparar para ela.

Escolher os vestibulares estrategicamente não é um detalhe técnico: é uma atitude inteligente diante de um sistema seletivo desigual, complexo e, por vezes, impenetrável. Não há, no Brasil, um vestibular único e universal. Há o Enem, sim, com sua promessa de democratização via Sisu, Prouni e afins — mas também há dezenas de provas próprias, como a da Fuvest, da Unicamp, da UERJ, da UFPR, cada uma com seu formato, sua lógica, seu estilo e suas pegadinhas. Tratar todos esses processos como se fossem intercambiáveis é desprezar o que há de mais importante em qualquer estratégia: o conhecimento de terreno.

É curioso, por exemplo, ver um aluno brilhante em Ciências Humanas tentando vaga em uma Universidade onde a prova da segunda fase valoriza fortemente conhecimentos de Matemática. Esse aluno pode passar anos aperfeiçoando sua leitura crítica, escrevendo redações impecáveis, dominando Filosofia e História, e ainda assim ser preterido por outro que, talvez com menor vocação para o Direito, tenha mais facilidade com números. Não se trata de injustiça — trata-se de saber como o jogo funciona. E ninguém joga bem sem estudar as regras.

O que muitos estudantes ignoram é que algumas universidades combinam melhor com determinados perfis de candidato. A UFRJ, por exemplo, adota o Enem como porta de entrada para a maioria dos cursos, mas com pesos específicos para áreas do conhecimento — e, por vezes, exigências mínimas por prova. A Unicamp valoriza, no vestibular tradicional, a argumentação e o repertório sociocultural de forma distinta da Fuvest, que tende a ser mais objetiva e conteudista. Já universidades como a UFTM ou a UFSC têm padrões de corte menos agressivos e podem oferecer uma excelente formação com chances reais de ingresso para quem planeja com cuidado.

A escolha estratégica dos vestibulares envolve, portanto, mais do que geografia ou prestígio. É preciso perguntar: essa prova valoriza minhas forças ou expõe minhas fragilidades? O peso da Redação é decisivo? Há bônus regional que me beneficia? A concorrência é nacional ou regionalizada? Esses elementos, longe de diminuírem a nobreza da conquista, a tornam mais realista — e mais justa. Como dizia Pierre Bourdieu, a meritocracia só é de fato meritocrática se todos tiverem acesso ao mesmo capital — e isso inclui o conhecimento sobre o funcionamento do sistema.

Mais do que nunca, o estudante que deseja cursar uma faculdade de excelência precisa ser também um leitor atento dos contextos. Não se trata de escolher o caminho mais fácil, mas o caminho mais inteligente. Em vez de aplicar para cinco provas sem critério, talvez valha mais dedicar-se com profundidade a duas, cujos formatos se ajustem ao seu perfil e cujas notas de corte estejam ao alcance com seu desempenho atual. Isso não significa desistir dos sonhos, mas persegui-los com a lucidez de quem entende que estratégia é, antes de tudo, a arte de decidir com inteligência onde vale a pena investir energia.

Ao fim, o que se busca não é só uma vaga. É uma escolha de vida. E toda escolha, para ser madura, exige mais que desejo: exige análise, autoconhecimento e informação. Num cenário de concorrência acirrada e sistemas complexos, quem faz essa lição de casa não apenas estuda mais — estuda melhor. E, com frequência, chega mais longe.

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