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Falar sobre democracia na escola exige mais do que repetir os lemas que já soam quase burocráticos em discursos institucionais. Democracia, no fazer docente, não é sinônimo de votação por maioria, nem se limita a dar vez e voz em uma roda de conversa. É, antes, um compromisso profundo com a construção de um ambiente em que o poder seja negociado, o saber seja compartilhado e os sujeitos — todos eles — se reconheçam como agentes do processo educativo.

O professor, ao assumir a docência, carrega consigo uma autoridade que não é apenas técnica, mas simbólica. Ele representa o Estado, a norma, o currículo, os critérios de avaliação. Inserir processos democráticos nesse contexto não é abrir mão dessa autoridade, mas questionar como ela é exercida. Paulo Freire nos lembra que ninguém educa ninguém, tampouco se educa sozinho: educamo-nos em comunhão. E essa comunhão não se constrói com falas unilaterais ou com planos fechados antes mesmo do primeiro olhar sobre a turma.

Abrir espaço para a democracia em sala é, portanto, aceitar que ensinar é também escutar. Mas não uma escuta passiva, protocolar. É uma escuta que transforma, que interfere no planejamento, que redesenha trajetórias. Quando um professor pergunta “o que vocês gostariam de aprender sobre esse tema?” ou “como preferem organizar esse trabalho?”, ele não está apenas buscando engajamento — está reconhecendo a legitimidade do outro como produtor de saber. E isso é profundamente revolucionário.

Claro que não se trata de transformar toda aula em assembleia. A democracia exige método. O educador que se propõe a essa prática precisa estar preparado para lidar com o conflito, com o dissenso, com o incômodo que surge quando as certezas pedagógicas são tensionadas. Não há democracia sem conflito — e não há conflito que valha a pena sem escuta, negociação e responsabilidade. Um professor que ouve a proposta dos alunos, mas que também explica os limites, que articula os desejos da turma com os objetivos do conteúdo, está ensinando mais do que o conteúdo em si: está ensinando política no sentido mais nobre do termo.

A sala de aula, nesse contexto, vira um microcosmo social. Quando um aluno percebe que pode propor, decidir, argumentar e ser levado a sério, ele carrega essa experiência para fora dos muros da escola. A democracia vivida — e não apenas ensinada como conteúdo de Ciências Humanas — tem o poder de formar sujeitos mais conscientes do seu lugar no mundo. E se a educação tem alguma vocação transformadora, ela passa, inevitavelmente, por essa vivência.

Mas há um detalhe fundamental. Para inserir processos democráticos no fazer docente, é preciso também que o próprio professor seja sujeito de um ambiente democrático. É incoerente pedir que o educador promova autonomia, escuta e diálogo se ele atua em instituições hierárquicas, silenciadoras, desprovidas de canais legítimos de participação. Democracia não nasce do improviso nem da boa vontade isolada: ela se cultiva em redes, em culturas institucionais que valorizam o coletivo, a partilha e o reconhecimento mútuo.

Portanto, quando falamos em democratizar a docência, falamos também em reeducar o olhar. É preciso ver o aluno não como destinatário, mas como coautor. Ver a aula não como um palco, mas como um espaço de criação conjunta. Ver o currículo não como um trilho fixo, mas como um território de encontros possíveis. E, sobretudo, ver a si mesmo como um educador que ainda aprende, que ainda se transforma, e que entende que formar sujeitos democráticos é, em última instância, um ato de fé no outro — e na escola como espaço de humanidade.

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