Existe algo de profundamente desconfortável — e, por isso mesmo, urgente — em admitir que a maior parte dos alunos que “fracassam” na escola não o fazem por incapacidade ou desinteresse, mas porque o próprio projeto pedagógico não os contempla. É mais fácil culpar o estudante do que revisar os alicerces da escola. Mais conveniente apontar a apatia juvenil do que encarar que muitas vezes é o currículo que adoece, a aula que entorpece, o professor que repete, o sistema que exclui.
O fracasso escolar raramente é individual. Ele se manifesta no silêncio de quem já desistiu de perguntar, na indisciplina de quem aprendeu que atrapalhar é melhor do que ser ignorado, na evasão camuflada de quem comparece fisicamente, mas já foi embora por dentro. Um olhar mais atento revela que o estudante não é o problema: ele é o sintoma. Sintoma de uma estrutura que resiste a enxergar a diversidade como potência e insiste em padronizar trajetórias como se a educação fosse linha de montagem.
Há décadas, educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire nos alertaram sobre isso. Freire, em especial, rompeu com a ideia de que ensinar é transferir conteúdo para uma cabeça “vazia”. Para ele, a educação libertadora começa na escuta: escuta do contexto, das histórias, das subjetividades. Se o aluno não aprende, é preciso perguntar por que — e essa pergunta não pode parar na superfície. Há fome de sentido, de pertencimento, de reconhecimento. E nenhuma prova padronizada mede isso.
Ainda assim, a escola parece presa a um modelo de racionalidade industrial. Planejamentos que partem de metas, e não de pessoas. Avaliações que mais classificam do que orientam. Tempos rígidos, espaços inflexíveis, metodologias que ignoram o que já se sabe sobre cognição e emoção. O estudante “fracassa” porque tentamos encaixá-lo em um modelo que foi feito para poucos — e fingimos que é mérito sobreviver a ele.
A professora que repete o conteúdo sem pausas, o gestor que prioriza os rankings de desempenho, o sistema que reduz a aprendizagem a números — todos colaboram, ainda que sem intenção, para a manutenção de uma lógica que exclui com requinte. Mas a escola que não revê suas práticas acaba transformando a diferença em desvio, o tempo próprio em atraso, a criatividade em indisciplina.
É verdade que mudar não é simples. Mas é necessário. Já existem escolas que entendem que o projeto pedagógico deve ser vivo, poroso, responsivo. Que colocam o aluno no centro, não como consumidor de serviços, mas como sujeito da aprendizagem. Professores que trocam o “dar aula” pelo “criar experiências de aprendizagem”. Coordenações que não avaliam só resultados, mas processos, vínculos, avanços silenciosos.
Um projeto pedagógico comprometido com a justiça educacional é aquele que começa onde o aluno está — não onde gostaríamos que ele estivesse. Isso exige escuta, planejamento flexível, diálogo com as famílias, trabalho colaborativo entre os professores, uso inteligente das tecnologias, mas sobretudo, exige humildade. A humildade de reconhecer que fracassos escolares não são reflexo do fracasso de um estudante, mas de um projeto que não o viu por inteiro.
Porque, no fim das contas, quando um estudante não aprende, é a escola que precisa aprender com isso. Aprender a mudar.






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