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A minissérie Adolescência escancarou, para quem ainda tinha dúvidas, a complexidade dessa fase da vida. Para muitos espectadores, foi um choque. Para nós, professores e gestores escolares, foi um espelho. Tudo o que está ali – as angústias, os conflitos, os desafios emocionais, a luta por pertencimento – já conhecemos bem. Afinal, vivemos isso todos os dias nos corredores, nas salas de aula e nas conversas com alunos e famílias.

Por isso, confesso: Adolescência não me surpreendeu. Não porque seja previsível, mas porque a realidade que ela retrata é a nossa matéria-prima diária. O que a série mostra é apenas a tradução audiovisual de um fenômeno que se tornou cada vez mais evidente: uma juventude fragilizada, desorientada e, acima de tudo, carente de limites e de referências sólidas, especialmente as familiares.

A narrativa explora a falta de diálogo entre pais e filhos, o uso excessivo de tecnologia, a pressão social e os desvios de conduta que emergem de um ambiente onde a educação é terceirizada para a escola. Pais que se negam a enxergar a própria responsabilidade na formação dos filhos e preferem culpar o sistema, os professores ou os amigos dos filhos por comportamentos que são, na verdade, reflexo da ausência de direção e orientação em casa.

A postura do pai do protagonista é um dos exemplos mais contundentes. Distante, alheio às reais necessidades emocionais do filho, ele parece incapaz de perceber os sinais claros de que algo está errado. Em paralelo, temos a figura do pai de outro aluno, o policial responsável por investigar e acompanhar o caso que norteia a minissérie. Ele, apesar da aparente rigidez, é igualmente ineficaz em estabelecer um verdadeiro diálogo e compreender o que se passa com seu filho. Ambos os pais são extremos da mesma moeda: a negligência mascarada. Um pela permissividade, outro pela “rigidez” cega. Nenhum deles, no entanto, exerce o papel essencial de mediador e orientador.

Como professor que já trabalhou tanto na periferia quanto em colégios elitizados, posso afirmar que essa falta de presença não escolhe classe social. O que muda é a forma como ela se manifesta. Nas classes mais altas, há um comodismo disfarçado de liberdade: “meu filho pode tudo, pois confio nele”. Já na periferia, muitas vezes há uma resignação dolorosa: “faço o que posso, mas ele vai acabar fazendo o que quiser”. Em ambas as situações, o jovem cresce sem referência clara de autoridade, sem compreender os limites do que é aceitável ou consequente.

O resultado disso é uma adolescência marcada pela insegurança e pela vulnerabilidade. Sem figuras estáveis ao seu redor, que possam conduzi-los, muitos jovens buscam identidade em discursos extremistas, em comportamentos autodestrutivos ou em relações tóxicas. Eles não são rebeldes, são carentes, desamparados. Buscam nos pares o que não encontram em casa: acolhimento, direção e pertencimento.

E é nesse ponto que as escolas são colocadas à prova. O professor se torna, muitas vezes, o único adulto confiável na vida de alguns alunos. Ou, em outros episódios, se torna a única referência de uma relação que se pauta em regras e normas de conduta. Dessa forma, a escola, que deveria ser um espaço de mediação do conhecimento, passa a ser também um campo de batalhas emocionais, onde tentamos, com recursos limitados, suprir lacunas que deveriam ser preenchidas pela família. O problema é que não fomos treinados para isso, e as estruturas escolares tampouco estão preparadas para lidar com essa carga emocional tão intensa.

Se a série tem um mérito, é o de escancarar essa realidade e forçar o debate. Mas seu impacto será pouco efetivo se continuar sendo apenas uma discussão acadêmica ou um entretenimento passageiro. O verdadeiro desafio é o que faremos com esse diagnóstico. Seguiremos culpando a “nova geração” por sua imaturidade e instabilidade, ou finalmente assumiremos que a responsabilidade é nossa enquanto pais, familiares e sociedade?

No fim das contas, conforme registramos inicialmente, a Adolescência da minissérie é apenas um espelho do que vivenciamos em muitos corredores escolares. E se isso não me ou nos surpreende, talvez seja porque, infelizmente, já estamos anestesiados diante do que deveria ser um escândalo social. Precisamos agir antes que essa história, em vez de ficção, se torne um retrato permanente da juventude que, hoje, falhamos em formar.

Uma resposta para “O que a minissérie Adolescência revela e… porque ela não me surpreendeu”.

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    Paulo Vitor Gasparetto Penariol

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